Dia Internacional das Ataxias destaca abandono de pacientes no Brasil
Em uma conversa descontraída com o Portal Caiçara, Amalia Maranhão, representante da Associação Brasileira de Ataxias Hereditárias e Adquiridas (ABAHE), expressou sua preocupação com a falta de acesso a diagnóstico e tratamentos para doenças raras no Brasil. Com o Dia Internacional de Conscientização sobre as Ataxias chegando, a luta por mais visibilidade e melhores condições de tratamento fica em evidência. Essas condições neurológicas afetam aspectos fundamentais como coordenação, fala e habilidades motoras.
Amalia, que já foi presidente da ABAHE e hoje é diretora-secretária e porta-voz da entidade, compartilhou os desafios que a associação enfrenta. Há mais de dez anos, ela se dedica a apoiar pacientes e suas famílias, e fala sobre as conquistas e a necessidade de políticas públicas mais eficazes.
A missão da ABAHE é clara: disseminar informações, conectar pacientes a pesquisadores, agências governamentais e indústrias farmacêuticas, e facilitar o acesso a diagnósticos e tratamentos. As ações da associação são variadas, incluindo a busca por novos pacientes, a manutenção de um registro nacional, e a divulgação de artigos científicos por meio das redes sociais. Eles também realizam lives com especialistas e trabalham em parcerias para estudos clínicos, tudo isso enquanto dialogam constantemente com a comunidade acadêmica internacional. Amalia ressalta também a importância de fazer lobby no governo para defender os interesses dos pacientes.
No entanto, as dificuldades permanecem. Segundo Amalia, as barreiras enfrentadas por pacientes de doenças raras são profundas. “Faltam especialistas fora dos grandes centros urbanos, os neurologistas muitas vezes não estão bem treinados, há demora no diagnóstico e a disponibilidade de testes genéticos ainda é insuficiente”, observa. Um dos maiores desafios atualmente é o acesso ao Skyclarys, o primeiro medicamento aprovado no Brasil para tratar a Ataxia de Friedreich. Apesar de ter sido liberado pela Anvisa e outros órgãos internacionais, o custo exorbitante de cerca de R$ 200 mil por mês impede que muitos acessem o tratamento.
Para que o Skyclarys seja disponibilizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), é preciso passar por uma avaliação e recomendação específica, um processo que nem todos os medicamentos conhecidos na Anvisa enfrentam. Amalia destaca como muitos pacientes “ficam abandonados”, sem o acesso que tanto precisam.
Críticas ao modelo de avaliação da Conitec
A ABAHE questiona a forma como a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) avalia novos medicamentos, que geralmente se baseia em critérios para doenças comuns. Amalia enfatiza que “exigir grandes ensaios clínicos é irreal”, já que o número de pacientes com doenças raras é bastante limitado. Ela pede que as autoridades compreendam que esses casos são únicos e a abordagem precisa ser adaptada.
Uma mudança significativa seria o cumprimento efetivo da Política Nacional de Atenção às Doenças Raras, estabelecida em 2014. Isso implica em ampliar o acesso a testes genéticos, formar mais especialistas e garantir um atendimento integral para todos.
O papel da sociedade
Amalia ainda lembra que a luta por visibilidade não é apenas uma responsabilidade das famílias afetadas. “Ser diferente não é um defeito; o real problema está na sociedade que muitas vezes não sabe como lidar com essa diversidade”, reflete. Ela, pessoalmente, tem uma conexão forte com a causa, sendo mãe de um jovem diagnosticado com Ataxia de Friedreich há 13 anos. Essa experiência a motivou a buscar apoio em associações internacionais e a iniciar um movimento aqui no Brasil.
“Eu agi com urgência, impulsionada pelo desespero de enfrentar um desafio tão grande sozinha. Hoje, temos 800 pacientes em nosso grupo, colocando o Brasil como o segundo país com o maior número de casos, atrás apenas dos EUA”, destaca.
Conquistas e perspectivas
Entre as conquistas da ABAHE, destaca-se a crescente participação do Brasil em ensaios clínicos internacionais. Amalia afirma que o sucesso nesses casos é resultado da mobilização da comunidade, embora o Estado ainda esteja aquém de suas responsabilidades.
Com a chegada do Dia Internacional de Conscientização sobre as Ataxias, a expectativa é reforçar a luta por diagnósticos mais rápidos, acesso a tratamentos e inclusão social. “Pacientes raros são poucos, mas não podem continuar invisíveis”, finaliza ela, em um lembrete importante para todos nós.